domingo, 9 de janeiro de 2011

Regressão

Tive de mudar de casa.
Embora os meus fantasmas
ainda me visitem com seus jeans apertados
tênis surrados e camisetas coloridas sem manga.

Esses fantasmas não querem nem saber.
Moram dentro das corcundas dos camelos
e de alguns moluscos.

A minha corcunda mesmo atrofiada
ainda serve como ótima morada.

Os meus fantasmas surgem
na cozinha entre cadeiras
e perto do fogão.

(sempre derrubam
o açucareiro)

No quarto ultimamente
apenas um e outro
sentam na cama

e viajam
de olhos tesos
ao teto.

No fundo eles sabem
que a minha casa
também não existe.

Não há portas
janelas nem paredes.

Os meus fantasmas visitam-me
só para me lembrar que houve
um tempo de guerras
e loucuras.

De mãos dadas (correntes
presas aos tornozelos)

bebíamos tanto vinho
e fumávamos tanta coisa

que nem mais sabíamos ao certo
quem era o espectro quem era o poeta.

Foi bom enquanto eu era uma criança.
Aprendi a não ter medo do escuro
nem de relâmpagos e trovões.

Mas ontem (confesso)
acordei sobressaltado
do cavernoso abraço
entre duas nuvens
imensamente tristes.

Creio que é hora
de ensinar às nuvens escuras
que todos nós (poetas e fantasmas)
precisamos do azul do céu no outro dia.

(nem que seja uma pontinha
depois do arco-íris)

8 comentários:

  1. Esse poeta só dá tijolada, o cabra bom de verso!

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  2. Eu afugentei os meus fantasmas nesses últimos 40 dias em que decidi ter uma disposição espiritual e fiz uma aliança com o sagrado, buscando-me a mim e as minhas vontades... Regredi, mas avancei 40 mil anos-luz!

    Beijo, de domingo, Domingos!

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  3. UAU! Domingos! Que poema fantástico! Gostei muito das imagens que foram se projetando em minha mente enquanto lia... muito bom mesmo! Todos nós temos nossos fantasmas, não é? Os meus me visitam à noite... rs é terrível!

    Grande abraço! :)

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  4. estou preparando uma fogueira para aquecer meus fantasmas,


    abraço

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  5. Olá!
    Te encontrei quando dava uma volta pela blogosfera e me encantou muito este espaço e a forma como as palavras são escritas, como quem tece uma bela peça com o mais elegante tecido.
    Parabens pelo trabalho.
    Lhe convido a me vsitar, dá uma passadinha lá em casa:
    http://passossilenciosos.blogspot.com
    Bjus no coração muita paz...

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  6. A primeira parte remeteu-ma à Hilda Hilst: "Tu não te moves de ti".

    http://vemcaluisa.blogspot.com/

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  7. adorei os seus fantasmas, mas não consigo encontrar a fórmula para acabar com os meus, existe?
    Beijos
    Laura

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  8. "os meus fantasmas visitam-me
    só para me lembrar que houve
    um tempo de guerras
    e loucuras"
    esta estrofe vale todo um poema, querido amigo.
    sempre com o fôlego atravancado depois de passar aqui.
    abraço!

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