quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

descontrole

por favor,
não me perdoes
da minha loucura

é com ela
que ponho o pequeno
para dormir e quando
acordo é ao lado dela
que faço o café

faz frio mas tenho
que ir ao trampo
o guarda-chuva
riscando os canteiros
da praça tristonha

tu esqueceste
de derramar lágrimas
guardaste teus cílios
aos pés dos canaviais
queimaste a saudade

vê como estou
cego

grita à vontade
contra os males
que meu olhar
te faz

como se ainda estivesses
no alto do telhado
pegando sereno

não me perdoes
da minha loucura
ela é serelepe
igual a todo
poeta

e por falar em poeta
dize-me se acreditas
de fato verdadeiramente

nessa coisa que nos lança
ao abismo e nos traz de volta
com a bochecha furada
pelo anzol do tempo

ai ai ai
de quem é atento
observa coisa demais
dentro do aquário

então fiquemos
um pouco distraídos
para que os insetos
pulem do guarda-roupa
brinquem debaixo da cama

não não mates o peixinho
ele é dourado porque ainda
não é madrugada

de madrugada
ah, de madrugada
verás um gato pardo

com olhos de diabo
uma perfeição humana

eu só te perdoo
se tu me mandares
um beijinho pela andorinha

uma vez ou outra
saltitante esquiva
no parapeito da varanda
ou no quarto da minha irmã

sei que na varanda
a andorinha paquera
as minhas flores

na janela do quarto da minha irmã
ela cobiça as bijuterias

não não mates o peixinho
ele não é dourado natural
é um tipo comum hoje em dia
de melancolia

por isso amo meus insetos
na minha jaula as paredes
são sombrias o teto pálido

não há como fugir
do derrame cerebral
nem do parto

se tivéssemos um filho
ele seria louquinho
o riso mais lindo
dos anjos

e por falar em anjos
tu acreditas mesmo
que o poeta
é palpável?

sempre que corto
minhas veias
o sangue

não escorre
nem as cicatrizes
ficam vermelhas

ficam iguais às nódoas das unhas
(branquinhas)

é sinal de sorte,
dizem.

4 comentários:

  1. a loucura é a nave que navega os rios da humanidade e da divindade num mesmo hiato de tempo. o arrais? a poesia.
    um abraço, camarada-poeta!

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  2. Nem Erasmo de Roterdão, nem Domingos, nem ninguém, está, esteve ou estará a salvo da loucura!
    Entretanto, podemos ter a calmaria dos insetos, quando nos pomos a ler o Antonio Lobo Antunes, no seu livro, Auto dos Danados, especialmente essa parte do livro que eu particularmente adoro:

    "Não são só os ratos, aliás, que moram conosco no sótão. Possuímos um jardim zoológico completo de formigas, melgas, traças, centopéias, aranhas, grilos, carunchos, que presumo alimentarem-se da mesma falta de comida do que nós, sem contar as borboletas que se esmagam contra as lâmpadas, no verão, e se reduzem de imediato a um pozinho escuro de verniz. E há os pombos. E as rolas. E os barcos, como lesmas, no Tejo. E os vizinhos em camisola interior, incapazes de voar, crucificados nos craveiros das varandas. E tu e eu, cada vez mais transparentes e magros, a prepararmos o pequeno almoço de meio grama de heroína da injeção da manhã".


    Beijo, Domingos!

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  3. A loucura move, nem quero que me perdoem dela.

    Beijo!

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  4. o sangue de um poeta, lembraste Cocteau,


    abraço

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